Sem o mínimo de educação e civilidade nossa sociedade terá muitos ajustes de contas a serem feitos no futuro. Às vezes, nossas vidas são pautadas pelas crises financeiras e, por consequência, planos são desfeitos e sonhos fadados ao fracasso. Mas até onde os brasileiros entendem de finanças e podem contar com um cabedal de conhecimentos que lhes proporcione enfrentar estas dificuldades com maestria?
Se podemos afirmar que poucas pessoas entendem de finanças, imaginem então quando o assunto é contabilidade. Não tenho medo de errar quando afirmo que há pouca gente que sabe o que é um Balanço Patrimonial, uma Demonstração de Resultados do Exercício ou mesmo um simples Fluxo de Caixa. Se é que algum dia o brasileiro médio possa chegar ao ponto de debater seriamente e com propriedade sobre finanças, não tenho dúvidas de que ele precisará primeiro aprender princípios básicos de contabilidade.
O pensador econômico alemão Max Weber acreditava que para o capitalismo dar certo, as pessoas comuns teriam de conhecer o método das partidas dobradas; não somente porque esse processo de contabilidade nos possibilita calcular o lucro e o capital através da paridade dos débitos e dos créditos; mas também porquê bons registros financeiros são “equilibrados” no sentido moral. Eles são a própria fonte da responsabilidade, palavra que de fato se relaciona com o sentido da palavra “contabilidade”.
Um dos fatos menos atraentes e, portanto, esquecidos da Renascença italiana, é que ela dependia muito de uma população que dominava as técnicas contábeis. Em algum momento nos idos de 1400, cerca de 4 a 5 mil dos 120 mil habitantes de Florença frequentavam escolas de contabilidade. Existem provas documentadas de que, naquela época, mesmo os trabalhadores modestos mantinham seus registros contábeis. Foi nesse contexto e nessa visão de mundo que Cosme de Médici e outros italianos de renome vieram a controlar o sistema bancário europeu. Entendia-se que todos os proprietários de terra e profissionais dominavam e exerciam a contabilidade básica. Isso era típico em um mundo onde todos, de fazendeiros e farmacêuticos a comerciantes, conheciam suficientemente bem essa técnica e, por conseguinte, podiam entender e expor sua situação contábil-financeira com singularidade e firmeza.
Se quisermos saber como tornar nosso país e as nossas empresas mais responsáveis, seria bom estudar os holandeses. Em 1602, eles inventaram o capitalismo moderno com a fundação da primeira empresa de capital aberto – a Companhia das Índias Orientais – e a primeira bolsa de valores oficial em Amsterdã. Porém, foi através de uma cultura mais antiga e bem fundamentada na contabilidade que eles mantiveram estáveis essas instituições por um século. Todas as camadas da sociedade holandesa tinham noção do método das partidas dobradas, desde simples comerciantes a acadêmicos e até mesmo o regente, Maurício de Nassau, Príncipe de Orange. Acreditava-se, por exemplo, que se os administradores do comitê local de águas tivessem registros contábeis desleixados, o sistema de canais e de diques holandês não seria bem mantido, e o país correria o risco de inundações catastróficas.
Então, o que podemos extrair desses exemplos históricos é que eles podem apontar o caminho na direção de soluções viáveis para as nossas crises. A contabilidade!
Nos últimos séculos as pessoas comuns, pouco a pouco, deixaram de aprender e praticar corriqueiramente a contabilidade – tanto que poucos de nós a dominamos atualmente. E o que isso quer dizer? Significa dizer que deixando essa responsabilidade apenas para os “especialistas”, muitos deles pertencentes ao moderno sistema bancário, corremos o risco de nos submetermos passivamente a situações econômicas nada agradáveis.
Uma população conhecedora dessa ciência milenar não resolverá em um passe de mágica os nossos problemas financeiros complexos, mas isso possibilitaria aos cidadãos comuns entender o básico no campo das finanças e sobre eventuais riscos de curto e longo prazos que ações desprovidas de qualquer moral possam nos afetar e, por conseguinte, oferecer resistência a elas. Acreditem, isso é fundamental!
Milton Braz Bonatti